Como escutar as crianças?

06/08/2019

Como escutar as crianças?

(por Christian Dunker e Cláudio Thebas)

É muito importante escutar a criança como um sujeito. Isso significa reconhecer sua responsabilidade no que ela diz. Adultos costumam entender a noção de responsabilidade em sentido contratual ou jurídico, no entanto responsabilidade quer dizer, antes de tudo, capacidade de produzir uma resposta, ou ainda, etimologicamente, cuidar de uma promessa.

“O pior que se pode fazer com a palavra de uma criança é achar que porque ela não compreende todos os códigos e as nuances das relações humanas ela poderia ficar isenta de responder por sua própria palavra”

Frequentemente, os adultos confundem escutar crianças com obedecer crianças. Por exemplo, decisões importantes que envolvem a família, como mudança de casa, ou de escola, viagens e grandes aquisições, convida a que escutemos nossas crianças. Essa é uma prática muito interessante, tanto pelos pontos de vista inusitados, que muitas vezes aparecem, quanto pelo aprendizado de como se pode participar de uma decisão, sem que esta seja vivida apenas na gramática de quem manda e quem obedece.

“Muitas vezes, deixamos de escutar as crianças porque se fizermos algo que contraria sua demanda, isso trará frustração e desconforto, mas isso é só um exemplo de como a escuta é um antídoto contra o despotismo infantil”

Escutar crianças muito pequenas pode envolver mudanças de atitudes corporais, como abaixar-se, alterar a voz ou encontrar a distância que coloca o outro em um bom lugar para dizer. Algo muito importante na escuta de crianças é o acompanhamento de suas investigações e o curso de suas curiosidades. Neste caso, é importante acompanhar muito de perto o tempo de elaboração da criança, o momento e os termos que ela usa para formular suas próprias hipóteses, bem como o vocabulário específico na qual elas acontecem.

Escutar crianças, neste contexto, pode envolver a criação ou oferta de narrativas que permitam o andamento da questão, mais do que respostas, que muitas vezes respondem à expectativa de desempenho e evolução impostas pelos adultos.

O choque de línguas entre crianças e adultos não deve ser negado, mas entendido como um conflito produtivo. Crianças logo percebem que adultos mentem, que eles criam versões “edulcoradas” de fatos e realidades, especialmente as dolorosas, ou seja, é preciso considerar dois extremos problemáticos: a hipocrisia que infantiliza o sujeito, por meio de uma escuta debilizante e protetiva, e do outro o “veracionismo”, pelo qual o pavor de não enganar gera a sinceridade intrusiva ou violenta. Para escutar uma criança como sujeito é preciso supor que sua discordância com os adultos é também signo de sua luta por autonomia e independência.

“Para escutar uma criança como sujeito é preciso apostar que ela é capaz de ser responsável por seus pequenos prazeres e decepções”